segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A dança a salvou


Já era fim de relacionamento, mas não precisava terminar dessa forma. Uma conversa finalizaria tudo da melhor maneira. Mas ele não quis assim. Ela já havia sido agredida antes, e tentava apaziguar para que o agressor não a ferisse mais. A primeira vez foi com palavras, ameaças e ciúmes. As vezes a mulher acha que o fato dele sentir ciúmes e uma prova de amor. A agressão começou em uma viagem. Longe da família e amigos ele se sentiu seguro para fazer o que queria. Ela, imigrante, em um país ainda mais desconhecido não teve coragem de falar a verdade quando o vizinho do quarto ao lado no mesmo hotel interrompeu a briga. Sentiu medo que o pior a acontecesse. Voltando pra casa o combinado era fazer as malas dele, terminar o relacionamento de apenas quatro meses e seguir adiante. Mas ele não aceitava. Pregava que o amor que ele sentia por ela era o que motivava ser tão inseguro, a culpa era dela por ele ser assim. Ela conversava demais com o melhor amigo, se arrumava demais para sair, dançava demais na balada, ria demais, era muito bonita, ela não podia ser ela. Antes de sair pra trabalhar, brigaram. A sorte dela é que a casa era dividida com mais alguns amigos que o impediram de matá-la. Com as mãos no pescoço dela ele dizia que ela não veria mais a família no Brasil. Ela, com um pouco de força que restava, conseguiu gritar. Os moradores da casa o interromperam. Ele, assustado, pulou de cima dela, disse que ela estava louca, que ela era culpada pelas brigas, que ele não tinha feito nada. Deixou a casa. A polícia chegou. Se explicar  uma agressão já e difícil em português, imagina em inglês. Os policiais se sensibilizaram, mas segundo as leis irlandesas disseram que nada poderiam fazer porque o rapaz era europeu e ela brasileira, o relacionamento não tinha tempo o suficiente para ser consolidado como relacionamento e não foi pego em flagrante. Nada foi feito. Ele voltou após o trabalho como se nada tivesse acontecido. A mala estava na porta. Ele se foi, mas deixou ameaças. Não ameaças escritas ou faladas. A ameaça estava intrínseca na tentativa frustrada de assassinato horas antes. A ameaça estava nas marcas no pescoço dela. A ameaça estava na falta de liberdade de ir ao mercado sem pensar que ele poderia estar na esquina. A ameaça estava na falta de oportunidade de conhecer alguém com medo que pudesse acontecer a mesma coisa. Antes disso, a ameaça estava no psicológico das marcas internas que nunca serão apagadas. A ameaça está nos gritos das ruas, nas portas batendo, nos sustos de brincadeira. A ameaça nunca será apagada. Ela é amenizada, mas uma mulher agredida nunca se esquece.
Hoje ela segue a vida da melhor forma possível. É doce, é frágil mas é forte, e insegura mas não cansa de tentar, é amável, é amiga, é sincera. Voltou a comer, seus cabelos cresceram, é sorridente, continua se arrumando para as baladas, continua confiando nos amigos, e dança, porque essa sim foi, é, e sempre será sua terapia.


** Essa história é infelizente real

3 comentários:

  1. Conheço uma história muito parecido, aliás, vivi uma história assim. A gente nunca esquece, e não tem como esquecer. Infelizmente esses vermes vivem ainda, mas acredito que nosso poder de superação é maior que qualquer ação deles. Resiliência, autoestima, fé em Deus, amor próprio e muita força ajuda a curar essas feridas. Amei o texto! Keep dancing. Beijos

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. abens pela linguagem do texto Thais...
    Historia triste mas com final ameno.... Que possamos viver cada vez mais, única e exclusivamente de AMOR... Saudades de vcs...
    Grande beijo
    Carlinhossssss Policano
    Abraco apertado na princesa

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